o meu natal é pequenino

como um grão de arroz

tão pequenino

que ninguém sabe onde o pôs…

o meu natal não tem presépio

nem vaca

nem céu

não tem reis magos

não tem burro

e está todo ao léu

o meu presépio tem camelos

só na outra margem

e alguns outros que o não são

estão de viagem

emigra um

emigra outro

emigra o pai e a mãe

… daí talvez que o deserto

já chegue a Belém

dos três reis magos creio bem

nenhum ser português

prendas que tragam

são da loja do chinês

e em vez do ouro

do incenso ou até da mirra

vão por consenso

oferecer-nos uma birra

embrulhadinha em papel pardo

de imbecil ideia

mal amanhada no resguardo

da Assembleia

o tal presépio está assim

a rimar com Abrantes

com o cheirinho a alecrim

como era dantes

quatro paredes mal caiadas

por troika expedita

e o cacho das uvas douradas

em secura aflita

a não passar de pobre cacho

de umas uvas mirradas

por malas artes de nos caber tal desdita
e sem ter musgo

sem ter fé

sem ter horizonte

o meu presépio

tem um abismo defronte

se não tiver um rasgo de alma

que dê p’rà mobília

o meu presépio

fica até sem sagrada família

depois de tudo não haver

do presépio o que resta?

um pardieiro de aluguer

pr’alguma festa

daquelas sórdidas

que te impingem na televisão

onde se vende o corpo e a alma

de ocasião

mas tu – amigo –

não quererás vir enfim daí comigo?

posso fazer de burro

e tu – como quiseres – farás de rei

virgem Maria

são José

ou até de agnus dei

virá mungida a vaca

e a estrela polar

algum pastor com seu rebanho

para ali pastar

e há-de vir também

um bandeirante de qualquer alto mar

e todos juntos

cuidaremos bem melhor do nosso amanho

e se tivermos só de nosso

o pão seco das migas de antanho

com rabanadas e aletria tudo em sol e dó

recriaremos a alegria de apurarmos

que a nação feita de povo somos nós

e nesse abraço nunca havemos de estar sós.


- Jorge Castro

03 de Dezembro de 2012

Etiquetas: Natal